quinta-feira, 6 de junho de 2013

O Velho




         Meu encontro com o velho deu-se no centro do Rio. No meio daquele vai e vem de carros e pessoas. O centro de uma cidade grande costuma guardar características parecidas com o centro de outras cidades deste porte. Pessoas de terno e gravata entrando e saindo de prédios comerciais. Centros empresariais situados convenientemente ali. Há também mendigos, camelôs e algumas figuras pitorescas que já caíram no lugar comum.
       
          O velho parecia não fazer sentido naquele lugar. Estava sempre vestido com uma combinação de azul claro e cinza nas roupas bem passadas, diria ate que foram engomadas também. Estava sempre sentado no mesmo degrau da escadaria da mesma igreja. Não sei se ele ficava lá o tempo todo. Se saía para um cafezinho, mas quando eu ia ao centro do Rio, seja para entregar um currículo numas das inúmeras empresas de RH, seja pra visitar algum museu, ele sempre estava ali. Não podia ser um mendigo. Os trajes eram sempre da mesma cor, mas nunca os mesmos, o cabelo branco estava sempre limpo e bem cortado. Minha curiosidade passou a me dominar, no inicio passava ali apenas por necessidade, não gosto muito de sair de casa sem necessidade. Depois passava uma vez por semana e ficava 15 minutos ao lado dele. Esperava desfazer um mistério.

           Às vezes eu sentia que ele ia puxar assunto, mas apenas olhava, levantava uma das sobrancelhas, sorria e voltava a mesma expressão contemplativa de sempre. Passaram-se meses sem que nada acontecesse. Ou melhor, aconteceu, agora era eu que fazia desse comportamento um habito. Agora eu também chegava à mesma escadaria da mesma igreja e sentava ao lado do mesmo velho. Mesmo em dias de chuva.

       - Olha!
       - Veja aquela nuvem.
       - que tem essa nuvem?
       - O que ela lhe parece?
       - Não sei. Espera! O senhor falou comigo.
       - Sim, falei mocinha!
       - Pensei que o senhor não falava.
       - Pois então.

         Não passamos disso, na verdade nossos encontros passaram a ter breves diálogos, nada muito profundo. Fiquei impressionada de ele saber o que era pareidolia. Falávamos sobre isso nos momentos que discutíamos as formas das nuvens.
 
        Algumas formas eram verdadeiramente nítidas. Cheguei a ver camelos, ovelhas, gatos, cachorros. Ele costumava ter mais facilidade para identificar formas parecidas com comidas. Uma hora era pizza, outra, hambúrguer.

       Quando não havia nuvens ficávamos mudos. Ele nunca me perguntou nada sobre mim. Eu, por consideração ou reciprocidade cheguei a conclusão que minha curiosidade deveria calar.
     
        Um dia ele não apareceu. Passou uma semana... Nada!
     - Ele morreu.
     
   Era um vendedor ambulante.
   
      - Como você sabe disso?
      - Eu não sei. Eu vi.
      - Então me diz como foi.
      - Eu não posso. Um dia você vai saber. Assim como ele soube de tudo. Ele sabia de tudo.
      - Ele ficou sabendo de tudo sentado aqui?
      - Sim, você também vai saber.


     Assim eu fiquei. Agora sou eu que tenho que saber. Mas ainda não sei de nada.

2 comentários:

  1. Queria eu poder me sentar no centro da cidade e ficar apenas observando o mundo ao meu redor. Acho que ainda vai levar muito tempo até a vida me permitir isso...

    Muito bom! ;)

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    1. Eu também, pelo menos a fantasia nos ajuda nesse sentido, não é mesmo?

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