Meu encontro
com o velho deu-se no centro do Rio. No meio daquele vai e vem de carros e
pessoas. O centro de uma cidade grande costuma guardar características
parecidas com o centro de outras cidades deste porte. Pessoas de terno e
gravata entrando e saindo de prédios comerciais. Centros empresariais situados
convenientemente ali. Há também mendigos, camelôs e algumas figuras pitorescas
que já caíram no lugar comum.
O velho
parecia não fazer sentido naquele lugar. Estava sempre vestido com uma
combinação de azul claro e cinza nas roupas bem passadas, diria ate que foram
engomadas também. Estava sempre sentado no mesmo degrau da escadaria da mesma
igreja. Não sei se ele ficava lá o tempo todo. Se saía para um cafezinho, mas
quando eu ia ao centro do Rio, seja para entregar um currículo numas das
inúmeras empresas de RH, seja pra visitar algum museu, ele sempre estava ali.
Não podia ser um mendigo. Os trajes eram sempre da mesma cor, mas nunca os
mesmos, o cabelo branco estava sempre limpo e bem cortado. Minha curiosidade
passou a me dominar, no inicio passava ali apenas por necessidade, não gosto
muito de sair de casa sem necessidade. Depois passava uma vez por semana e ficava
15 minutos ao lado dele. Esperava desfazer um mistério.
Às vezes eu
sentia que ele ia puxar assunto, mas apenas olhava, levantava uma das
sobrancelhas, sorria e voltava a mesma expressão contemplativa de sempre.
Passaram-se meses sem que nada acontecesse. Ou melhor, aconteceu, agora era eu
que fazia desse comportamento um habito. Agora eu também chegava à mesma
escadaria da mesma igreja e sentava ao lado do mesmo velho. Mesmo em dias de
chuva.
- Olha!
- Veja aquela
nuvem.
- que tem essa nuvem?
- O que ela lhe
parece?
- Não sei.
Espera! O senhor falou comigo.
- Sim, falei
mocinha!
- Pensei que o
senhor não falava.
- Pois então.
Não passamos
disso, na verdade nossos encontros passaram a ter breves diálogos, nada muito
profundo. Fiquei impressionada de ele saber o que era pareidolia. Falávamos
sobre isso nos momentos que discutíamos as formas das nuvens.
Algumas formas
eram verdadeiramente nítidas. Cheguei a ver camelos, ovelhas, gatos, cachorros.
Ele costumava ter mais facilidade para identificar formas parecidas com
comidas. Uma hora era pizza, outra, hambúrguer.
Quando não
havia nuvens ficávamos mudos. Ele nunca me perguntou nada sobre mim. Eu, por
consideração ou reciprocidade cheguei a conclusão que minha curiosidade deveria
calar.
Um dia ele não
apareceu. Passou uma semana... Nada!
- Ele morreu.
Era um vendedor
ambulante.
- Como você sabe
disso?
- Eu não sei. Eu
vi.
- Então me diz
como foi.
- Eu não posso.
Um dia você vai saber. Assim como ele soube de tudo. Ele sabia de tudo.
- Ele ficou
sabendo de tudo sentado aqui?
- Sim, você
também vai saber.
Assim eu fiquei.
Agora sou eu que tenho que saber. Mas ainda não sei de nada.
Queria eu poder me sentar no centro da cidade e ficar apenas observando o mundo ao meu redor. Acho que ainda vai levar muito tempo até a vida me permitir isso...
ResponderExcluirMuito bom! ;)
Eu também, pelo menos a fantasia nos ajuda nesse sentido, não é mesmo?
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